Lara Resende, André. Juros, moeda e ortodoxia. São Paulo: Portfolio Penguim, 2017.
Seguem abaixo trechos do artigo do Prof. Gustavo de Oliveira Aggio sobre o livro.
Nesta resenha apresentamos um panorama não exaustivo do conteúdo do livro, evidenciando, principalmente, os argumentos teóricos do autor. A obra é um livro de ensaios, seis no total mais uma conclusão ampla, e, consequentemente, há alguma repetição. Por outro lado, a estrutura permite que os ensaios sejam lidos de forma independente, tendo cada um mote próprio. Também é um livro dirigido para um grande público e, portanto, não carrega o peso de um livro técnico. (...)
A crítica de Lara Resende à Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) aparece em quase todos os ensaios, mostrando ser uma preocupação recorrente. Do ponto de vista teórico, o autor defende que a teoria foi construída sobre bases fracas, incomparáveis e incompatíveis com o modelo de equilíbrio geral.
Do ponto de vista empírico, as críticas vão desde a falta de comprovação da causalidade entre quantidade de moeda e nível de preços até a instabilidade da velocidade de circulação, sendo, para o autor, a experiência do Quantitative Easing o teste empírico definitivo para a refutação desta teoria ao se observar que um aumento dramático do nível de liquidez da economia americana (dentre outras) não causou a inflação esperada pela TQM.
Além disso, o autor explora o histórico da TQM e da sua crítica desde o debate entre bulionistas e antibulionistas e da Currency School com a Banking School na Inglaterra dos Séculos XVIII e XIX, assim como a influência dos críticos sobre Wicksell e até mesmo a vertente heterodoxa do keynesianismo nas figuras de Kaldor e J. Robinson e o estruturalismo latino americano.
Mais interessante do que isso, Lara Resende assume a sistemática de Wicksell sobre economias com maior ou menor presença de crédito e propõe que a TQM seria mais adequada para uma economia puramente monetária, com pagamentos exclusivamente em espécie, enquanto que em uma economia de crédito puro, ou perto disso, como vivemos atualmente, a TQM seria completamente inadequada. Porque, então, mesmo expoentes não monetaristas da macroeconomia com Olivier Blanchard se renderam aos seus resultados em seus livros-texto até muito recentemente? (...)
A substituição da TQM por outra ortodoxia monetária não ocorreu sem problemas na percepção de Lara Resende. A despeito do reconhecimento dentro do mainstream macroeconômico, de que o sistema monetário era regulado pela fixação da taxa de juros já no final dos anos 1980, a prática dos bancos centrais somente teria sido teoricamente circunscrita no arcabouço da macroeconomia contemporânea (microfundamentada sob a hipótese de expectativas racionais e maximização intertemporal de funções de utilidade) com a obra Interest & Prices de Michael Woodford. O autor chega até a classificar o período como uma “revolução woodforniana”.
Apesar de algumas críticas pouco rigorosas ao trabalho de Woodford, Lara Resende realiza com sucesso o complicado esforço de apresentar resultados de um conjunto teórico analiticamente complicado em um livro não especializado. Um dos méritos do autor é evidenciar que o próprio Woodford conclui que não existe uma determinação única para a taxa de inflação na teoria da política monetária baseada na fixação de taxas de juros. (...)
Lara Resende conclui o livro com um bem apresentado panorama da macroeconomia mainstream no Século XX, principalmente após a síntese neoclássica, até nossos dias. O autor reserva, ainda, um bom espaço para mostrar concordância com as críticas de Paul Romer sobre as dificuldades dentro do programa de pesquisa da macroeconomia. Lara Resende mantém ao longo de todo o livro uma posição crítica à forma como se desenvolvem e propõem teorias de política monetária, mas pode-se dizer que é um crítico interno e não um revolucionário.
O livro é, sobretudo, uma tentativa de debate e de esclarecimento junto à “tecnocracia liberal” e sua base intelectual, para que não persistam nos mesmos erros de Gudin. Lara Resende iniciou um debate falando em conservadorismo intelectual e não poderia estar mais correto, visto que a reação negativa foi mais forte justamente junto àqueles com que se alinha ideologicamente. Recomenda-se, a despeito desta polêmica, que a obra seja lida e estudada independentemente da filiação ideológica, contendo, ainda, vários temas do fascinante estudo monetário que não puderam ser enumerados nesta resenha.
Gustavo de Oliveira Aggio. “Juros, moeda e ortodoxia” de André Lara Resende Econ. soc. vol.28 no.2 Campinas May/Aug. 2019 Epub Aug 29, 2019 https://doi.org/10.1590/1982-3533.2019v28n2art13